quinta-feira, 21 de abril de 2011

A CARNE TRISTE DE BERILO WANDERLEY

Nasci a 21/4/34, nesta Natal, aldeiazinha boa para nela se morrer um dia. Infância comum, não fui de maneira nenhuma criança prodígio. Aluno Marista,  enfrentei uma educação literária aquém de medíocre, quando até o Conde de Afonso Celso me fizeram ler e um professor de Português me dizia que ter estilo era com Humberto de Campos. Quando me livrei desses senhores, tive a primeira sensação de que possuía algo de forte dentro de mim, e entrei a resistir ao que me cercava. De lá para cá, procuro fortalecer o meu desprezo pelo ontem para salvar o amanha. E algo assim como desespero e ambição. Formado em Direito, deram-me um diploma, que perdi dentro de um taxi em Madrid. Meu tempo espanhol foi marco inicial desta segunda etapa de minha vida, a primeira que realmente me interessa.
E vendo quanto o meio marca o espírito de um homem, de lá para , desde que voltei, procuro sair de Natal. Minha grande vitória será um dia sair de vez. Experimentei, no Direito, uma Promotoria Publica, onde me desencantei dele e dos homens que Ihe puxam as rédeas, montados sobre seu lombo. Atualmente faço jornalismo, o que, evidentemente, não se pode dizer, com seriedade, que exista na província. Mas é preciso ganhar dinheiro: o gim todo dia sobe de preço.
TN - Como seria sua autodefinição?
BW- Ficou dito muito na apresentação autobiográfica. Aos trinta anos, me pergunto: por que não acerto passe com os outros? O diabo é que não quero acertar. Considero minha inquietação existencial necessária para que eu não termine membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras ou Juiz de Direito de uma comarca do interior.
TN - Qual a ponto forte do seu caráter?
BW- Não temer o risco, o imponderável, quando se trata de buscar algo que, de repente, acho que devo buscar. Em Lispector, encontro a definição justa dessa coisa que eu amo: "O sagrado risco do acaso". E através dele que, um dia, "substituirei o destino pela probabilidade".
TN - Como encara o que já realizou em literatura?
BW - Nada realizei em literatura, até agora. Pelo menos, dentro do conceito que tenho de literatura. Fiz poemas, dez anos atrás, como todo mundo, e publiquei um livro como quase todo mundo. Hoje, olho para aquele Berilo e o chamo de imbecil. Mas outros, que até escreveram versos piores que eu, continuam suas guerras de guerrilhas contra a poesia e não se julgam imbecis. Problema deles. Quase dez anos de crônica diária na imprensa me deixaram essa qualidade positiva que utilizo em experimentos de ficção: a intimidade com a linguagem que, um dia, junto a uma técnica que busco, me levara a umas novelas que pense escrever. Por hora, em literatura, situo-me na posição bastante cômoda de espectador e leitor.
TN- Que valor atribui ao cinema?
BW - O cinema e a arte por excelência do homem cósmico. Para este, o cinema cada vez mais tende a tomar o lugar do romance, principal­mente quando consideramos a opinião de uma corrente de críticos literários que dão o romance como gênero extinto desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ou pelo menos uma anomalia dentro do nosso tempo. Quer assim dizer que cabe, dia a dia, mais ao cinema, com seus Antonioni, Resnais, Trufaut, Kazan, a responsabilidade de descobrir, perscrutou possibilidades do Homem, observá-Io em suas misérias e grandezas, levar-Ihe mensagens que o animem a lutar contra os Senhores do Mundo e as iras do Tempo.
TN - Os livros fundamentais, na sua opinião?
BW - Livros fundamentais para mim são aqueles que, depois de lidos uma vez, ficam exigindo releituras, vez em quando, ou que marcam minha personalidade e minhas atitudes frente a vida e aos homens: "as Ensaios", de Montaigne, "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust, "Moby Dick", de Melville, quatro ou cinco de Dostoievsky, tudo o que já Ii de Sartre.
TN - Faz-se literatura na província?
BW- Não, mas se faz-se, a que se faz o me interessa.
TN – É  necessário sair da proncia?
BW - É necessário para quem não tem a "Universidade do Grande Ponto" como fonte de enriquecimento do espírito e o casamento com dois casais de filhos, televisão e carrinho na porta como "ideal para uma existência completa".
TN - Por que ainda não saiu de Natal?
BW - Uma tentativa frustrada me fez botar de lado os caminhos inviáveis para sair daqui. Na segunda viagem, saberei por onde ir. Por enquanto, abro caminho.
TN - Como julga os possíveis inimigos?
BW - Tenho inimigos possíveis e impossíveis, mas são bem poucos. A uns e outros dão o generoso sentimento de igno-Ios. Não tenho vocação para totalitário: você pode gostar ou não gostar de mim. Mas também me de o direito de gostar ou não de você.
TN - 0 homem está como afirmou alguém, "duas doses abaixo do normal"?
BW - Não sei quem disse isso, mas certamente não será com quem irei conversar para aumentar minha crença no homem.
TN - Por que casou?
BW - Era uma vez um sujeito que amou uma mulher e que, numa certa tarde de sábado, resolveu casar-se, porque o amor persistia e a fórmula de união Sartre-Beauvoir mostra-se inviável para as nossas dimensões pequeno-burguesas. Hoje, com um ano de casado, continuo a gostar da mulher e acho o casamento coisa intolerável. Mas a ele só pego que não mate minhas ambições.
TN - Que desejo formula nessa etapa de sua vida?
BW - Sair de Natal.