SAÚNAS NO CAIS
O sol quebra-se por trás do rio, que corre, lento quase cansado. Meu rio de águas sujas no qual o poeta Itajubá, em época mais distante, via um lençol azul de águas diáfanas que o inspiravam para bonitas estrofes. Na beira do cais, absorvo o cheiro de maresia, que se mistura ao dos peixes que se estendem, olhos de vidro arregalados, sobre as tábuas das barracas.
Um pescador bêbado, como gostam de viver os pescadores, puxa conversa ao meu lado e aconselha-me uma cioba de corpo róseo tão lânguido, que faz lembrar o corpo de certas mulheres quando se espreguiçam na areia da praia. Corpo de mulher estendido na areia - quantas canções, quantos poemas já inspiraste e quantas e quantos hás de inspirar ainda! Cadê os poetas e os cantores da minha terra, para virem cantar as ciobas e as mulheres róseas e lânguidas?
Digressões com cioba e mulher à parte, estou no cais, enchendo os pulmões de maresia, e, antes de levar a cioba para casa, aceitando os conselhos do velho pescador, penso em Dona Elvira, e sinto saudade das saúnas fritas que gosto de ver chiar dentro da enorme caçarola tisnada.
Atravesso a torta e barulhenta Rua da Floresta recebo a agressão de uma radiola que manda para o ar uma paixão desesperada que, neste momento, Aguinaldo Timóteo nutre não sei por quem ... e eis que estou diante da casinha da gorda e corada Elvira. Maçãs do rosto rosadas, de tanto ficarem diante do braseiro dos peixes, me recebem com o riso aberto de velha e imorredoura amiga.
Diante dela, diante de mim, a separar-nos, peixes dourados de dendê e tapiocas de uma pureza imaculada. Tudo é felicidade no coração deste guloso, transbordando de apetite. É a hora de esquecer as angústias e os cansaços. A cerveja chega geladinha e explode numa festa de espuma dentro do copo. Em volta nas paredes, os santos e os representantes do sincretismo religioso que a dona da casa cultiva. Ela, toda sorrisos traz as saúnas e a tapioca. O molho de pimenta malagueta também é imprescindível.
Do fundo da rua, uma voz de cantor que não conheço estertora, machucada de amor.
(BW)
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