A VOLTA
MADRI, janeiro de 1961 - Outra vez em Madri, num reencontro que já me identifica com a alma da cidade, que já me aponta rostos amigos e recantos, se posso dizer, familiares, com esse ar de aconchego de casa da gente. Indo a Paris e voltando agora, aprendi que entre Madri e este seu eventual cronista já existe uma cordialidade, um jeito de amigos íntimos, que o mesmo cronista, tão comovido, agradece. Afinal, foi amargo tudo naqueles primeiros dias, - gente, casas, ruas. Hoje, até esta solidão nos livros devo a Madri. No coração, desamores.
E a memória de Paris. Que é sonho outra vez. Paris foi para mim tudo aquilo que eu disse, mais o que não sei dizer, para lembrar a querida Amália Rodrigues falando do seu fado. O que se ama verdadeiramente não se sabe contar, disse eu mesmo numa carta a um amigo, dias atrás. E esse aquilo pode ser mulher, rosa ou cidade. Hoje, se relesse as crônicas em que falei de Paris, talvez reconhecesse que não disse nada. Sempre fui assim, até nos meus verdes anos de poeta em que em nenhum só soneto soube encontrar o encanto exato da mulher amada. Foram-se os sonetos, as amadas. Ficou o jeito de não saber contar do amor. Bem, mas Paris já se foi, igualmente.
Em Madri, novamente cercado e integrante desta variada fauna de rapazes sul-americanos deste Colégio Mayor N. S. de Guadalupe. Isto é, alguns já não mais rapazes: homens maduros, com filhos e cabelos brancos. A mim mesmo chamar-me rapaz talvez seja atrevimento. Esses dois cabelos brancos, que uma antiga namorada tão marotamente descobriu em minha cabeça, essa mesma cabeça cheia de problemas, esse coração batendo cada vez mais forte ... Sei lá se isso é ainda ser rapaz. Mas uma canção que alguém canta me faz jovem. Ou o céu claro. Ou a flor vermelha no jardim do Colégio, irmã daquela outra que furtei numa incerta segunda feira, aproveitando a ausência de qualquer pessoa por perto. (Sou um romântico tímido).
(BW)
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