domingo, 16 de janeiro de 2011

ANTES DO SOL

ANTES DO SOL          

           Poucos, bem poucos estão acordados a esta hora. Não sabem o que estão perdendo, de olhos e ouvidos fechados nesta madrugada já pré-manhã, quatro e meia no relógio. As nuvens se esgarçam para os lados do nascente, como uma manada de ovelhas "abrindo caminho" para o pastor passar.
          O pastor é o sol, que não tarda. Agora, ainda faz aquele frio, que vem, com a brisa sussurrante própria das madrugadas, acariciar o corpo da gente. Ainda há silêncio em todas as coisas e as plantas cochilam no jardim. Faz paz na horta, as touceiras de couve ressonam. Quem esta acordado a esta hora? - pergunto a mim mesmo, enquanto estou debaixo do chuveiro, cantando baixinho uma velha canção de amor, bem baixinho para não acordar a casa.
          Os boêmios, gastando os saldos da última dose, estão se mandan­do para casa, arrependidos de todos os excessos e prometendo não beberem mais nunca. Os vigias, guardiões dos sonos alheios, sem direito a um cochilo, estão guardando o apito e enrolando a capa grossa de lã. E os mais cordiais amigos da noite - os ladrões e os lobisomens - vão tratando de escafeder-se, antes que o primeiro raio do sol os apanhe a descoberto.
           Agora, me debruço sobre a máquina de escrever, e enquanto a  imaginação vagabundeia, os olhos passeiam pela rua quieta, pela grama do jardim onde uma leve capa de orvalho ainda brilha. Um cachorro arruaceiro, boêmio e pilantra, está sentado sobre as patas traseiras, focinho virado para o nascente. Deve estar aguardando o sol para sua saudação pobre mas sincera. Como deveriam fazer todos os homens. Mas deixa os homens dormir. Assim, os que estão despertados cobrem-se de mais privilégios para, do alto de sua benéfica solidão, presenciar a manhã. E um deles, como eu, batuca uma crônica apressada e espera o cheiro bom de café subir da cozinha, para a primeira chávena e a primeira prosa.
(BW)

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