quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

BERILO, O QUE PARTIU CEDO - Grácio Barbalho


BERILO, O QUE PARTIU CEDO        
  
         Termina o primeiro decênio a contar do dia em que, ao se despedir dos amigos, deixou Berilo aquele vazio espiritual que se continua ao longo dos anos.
         Um desses amigos está aqui presente. E pode revelar o que em conversa evocativa, sempre, repete: "Berilo Wanderley está entre os três amigos que perdi e somente eles permanecem na minha lembrança".
         Nossa amizade foi certamente estruturada pelo cultivo da música popular romântica, seguindo daquele convívio em noites inesquecíveis, guiadas pelo som e pelo culto do bom vinho. Relei, então, duas cartas que me enviou, uma de São Paulo e a outra de Madrid.
         Na primeira, discorre sobre o compositor Ataulfo Alves, desaparecido dias antes, lembrando que eu deveria estar reunindo amigos em torno de minha discoteca para homenageá-lo. E ainda: "Você é o primeiro amigo a quem escrevo, antes, somente para a família. Vindo a São Paulo, devemos nos encontrar para um bom vinho".
          Na carta enviada de Madrid, oito anos antes, já dizia:" Aqui, pelo carnaval, fiz valer um pouco de marchinhas antigas. Tudo em casa de uns franceses muito simpáticos". E finalizava: "Basta de música. Até junho próximo, quando aí aportarei, cheio de terra alheia e de céus que não são meus. Saúda-lhe do alto de um belo vinho andaluz, o amigo Berilo".
          Trago a presença evocativa contida nestas duas cartas para fortalecer, no instante em que aumenta a saudade do amigo que se foi, aquilo que escrevi em sua memória. Revelava, então, os nossos primeiros encontros, a autenticidade de sua predileção pela linha melódica do passado, justamente na época em que a nossa música popular seguia novos rumos, o incentivo a minha coleção de discos, a sonoridade do violão noturno pelas madrugadas, as motivações do estilista romântico nos tópicos de sua coluna em jornal da cidade.
          Que me seja permitido encerrar este esboço de singela evocação, transcrevendo as palavras finais do que lhe dediquei nas paginas daquele livro editado em louvor de sua memória: Berilo partiu cedo. Se lá encontrou alguns dos seus amigos espirituais, certamente estará dialogando com eles.
          Argumentará com a mesma jovialidade com que, em vida, usava ora a sátira ora a rebeldia para livrar-se do que Eça definia como a "pardacenta rotina da cidade". Enquanto deste lado
Berilo tornado água-marinha poderá fulgir ainda por muito tempo na lembrança de seus verdadeiros amigos.
(Grácio Barbalho)

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