quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

LEMBRANDO BERILO - Rubens Lemos Filho

LEMBRANDO BERILO          

             Faltava um mês para eu completar nove anos. Ao chegar à escola, regras ditadas por freiras rígidas, que enfileiravam alunos e expulsavam inadimplentes em nome de Jesus Cristo, os amigos estavam todos juntos, aos lamentos: “Rubens, morreu o pai de Milena Wanderley”.
            Incrível a proibição de não se chamar os alunos pelo apelido. Eu era, como até hoje sou, aos 40 anos, conhecido muito mais por Rubinho em função de Rubão, meu falecido pai. No colégio das freiras, eu era Rubens e tinha que ser Rubens.
Se houvesse outro Rubens na sala de aula, elas não exageravam como os locutores de rádio de muito outrora, que batizavam por exemplo, Alfredo Primeiro e Alfredo Segundo. Seríamos Rubens Silva e Rubens Lemos ou Rubens Filho, que era, certamente, para não confundir com o meu pai ou o do homônimo colegial.
Depois dos meus rodeios, provocados pelas explicações justas, retorno ao primeiro parágrafo. Naquele julho de 1979 eu já sabia que o pai de Milena Wanderley, uma aluna loirinha mais nova que eu, havia morrido. A notícia fora dada aos prantos pelo meu pai. Muito amigo dele, que se chamava Berilo Wanderley, poeta, professor e jornalista. Ultimamente andavam bebendo muito juntos.
Suas viúvas se tratam feito irmãs até hoje, Isolda, minha mãe, Maria Emília, mulher de Berilo. Gosto  de Rômulo, Henrique, o Poetinha e Alexandre, os três filhos homens que seguem a vida com  a dignidade herdada. Milena mora na Suécia.
Papai, que era um inventivo, um ciumento agresssivo e possessivo dos amigos, resolveu  que os sábados de Berilo eram ao seu lado e o apresentara a uma novidade boêmia de Natal, o Café Nice, um boteco no Alecrim onde se tocava e cantava MPB de qualidade e sambas que falavam em amores e desilusões. Papai e Berilo chegaram a compor um samba, gravado recentemente pelo meu irmão, Camilo.
Então a notícia da morte de Berilo me assustou, aos oito anos de idade, por ver o meu pai, pela primeira vez, chorar como uma criança, rosto coberto pelas mãos, num pranto doloroso e assustador. Eu era pequeno e naquele tempo a morte não aparecia tanto. Berilo Wanderley virou uma lenda para mim.
Sempre que visito o seu túmulo, no Cemitério do Alecrim, a algumas quadras de onde repousam os restos do meu pai, paro e leio o poema perfeito em que ele narra a própria decomposição, numa beleza que nada tem a ver com a tragédia funeral. É uma declaração de amor para Maria Emília.
Berilo Wanderley foi o copidesque de vários bons repórteres de Natal. Era preciso saber escrever bem para que ele pudesse publicar um texto de alguém. Naquele tempo, dominar as palavras  era padrão de competência. Com papai, foram do Diário de Natal ainda na Avenida Rio Branco.
Faziam reportagens a pé. Numa delas, Berilo foi ao Beco da Lama, pelo início da década de 1970 e escreveu um texto impecável, uma aula de jornalismo de ambiente, esquecido na pressa em nome da qual se assassina o idioma pátrio. Achei na internet e relembro Berilo Wanderley que me reaparece num momento oportuno, como se me vingasse daquelas freiras carrancudas. E curasse todas as feridas invisíveis.
(Rubens Lemos Filho)

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