domingo, 19 de dezembro de 2010

BERILO, O BOM - Tarcísio Gurgel

BERILO, O BOM

            Vi-o irritado apenas uma vez, em nossa convivência, porém relativamente longa. Mas, de tão mesquinho o episódio nem convém voltar a lembrá-lo porque ele próprio, se alguma vez forçado pelo atrevimento do papo ocasional voltou a tocar no assunto, recriou a sua revolta, transmudou-a em ironia. Estilo Beriliano.
             Por isso, pela certeza de sabê-lo alegre, alegre como, por exemplo certa aragem matinal espalhando cheiro de manjericão, como a alegria de saber que o nosso time é campeão, como o sabor definitivo do sumarento caju após a dramática ingestão de um gole de aguardente, é o que foi duro sabê-lo arredado deste convívio.
             O meu amigo Berilo não viveu, apenas. Vivenciou a vida de uma maneira intensa, arraigadamente solidária que nem viu apóstolo desses que embrenham por terras ignaras professando humanismo. Um Schwieitzer, vivendo em terras pretensamente civilizadas.
              Ancorou suas mágoas, seus medos, tímidas alegrias na crônica do cotidiano e aí se refugiava na hora indecisa, senhor dos seus próprios domínios, ouvindo o ressonar suave da mulher e dos filhos, enquanto recriava a vida. Enquanto o cotidiano lhe apresentava, na cidadezinha do interior e porcos que disputavem cá fora na cidade grandem num estar acontecendo que atonitizava.
               Em outra sorte de pessoa. Não era como a gente, não, que tem de continuar a destilar lágrimas para justificar a expressão correta que dá nome ao Vale.
               Afastou-se da glória o quanto pôde, recusando-se de modo sistemático a assumir a postura do magnífico ficcionista que teria sido, se o quisesse. À poesia realizada (numa terra onde os equívocos pululam, a pretexto de justificar uma quadra popular que, normalmente, interpretamos como testemunhadora de uma agradável realidade - nunca uma gozação do povo), não conseguiu escapar, e suas crônicas, mesmo aquelas mais despretenciosa eram perpassadas do sentimento poético.
               Mas, o que Berilo foi em maior escala, indiscutivelmente, foi personagem maravilhoso de um romance que ainda não foi escrito e cujos protagonistas seriam os membros de uma reça que se encontra cada vez mais reduzida: a dos homens bons.
               A cada porrada, na vida, ele se esquivava rápido, como se estivesse a executar uma verônica, nas terras inesqueciveis da Espanha de Lorca (aquele mesmo Lorca a quem não permitiram que continuasse sendo bom): a cada nova mágoa, ele erguia um brinde de travoso vinho que, aos seus lábios, sabia doce. Roterista de si mesmo, o filme de que participou, na condição de ator excepcional, conta a história de um homem bom, de grande talento, que o Rio Grande do Norte malgrado seu não conhecerá por inteiro.

(Tarcísio Gurgel)


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