domingo, 26 de dezembro de 2010

BLOG LUZES DA CIDADE - Francisco Sombreira

 

Berilo Wanderley (1934-1979) foi o melhor cronista do Rio Grande do Norte. No mês em que se completa mais um aniversário de sua morte prematura, este blogue presta-lhe uma homenagem, com a publicação de duas crônicas, retiradas do seu livro póstumo "Revista da Cidade" ( EDUFRN/1994). BW foi também um brilhante crítico de cinema. Em vida, publicou o livro de poesia "Telhado de Sonho".



CHEIRO DE CHUVA
As madrugadas jão estão mais frias e as manhãs nos assaltam com um céu cinzento entrando pela janela. No pombal, os pombos amanhecem inquietos e festivos e o macho faz prosa arredondada de namorador em torno de sua fêmea. Há sinais de chuva pelo ar. As largas folhas das bananeiras acordam orvalhadas e os bogaris, a um canto do jardim, tomam jeito de véu de noiva, leves e rendados. Aspira-se um cheiro de chuva que, antes de vir, manda recados com boas notícias, que chegam através das plantas e das aves.
E as mulheres se tornam amantes mais ternas e atentas aos apelos dos seus homens, e nos gestos e na fala põem alguma coisa que as revela como aptas para as surpresas sempre renovadas do amor. Jeito de mulher acarinhar o homem traz prenúncio de inverno e só os maus amantes, ou aqueles homens dados ao capricho estranho de não gostar de mulher, ignoram esta verdade límpida.
Madrugadinha. Céu pesado de nuvens. Olha ali um bem-te-vi- me saudando lá daquele galho do pé de azeitona-da-terra!
A LUA
Um amigo nos chama a atenção para a lua, que ainda não tínhamos notado, mas que já andava, há quase uma semana, sobre os telhados da nossa cidade. Malditas obrigações que nos fazem esquecer uma lua! Mas, ontem, procuramos vê-la. Estava detrás de u'a mangueira e já vai muito grande e muito vermelha, o que é sinal que está a caminho do quarto minguante, ou de outro qualquer.
Lua por detrás de mangueira dá o que pensar. Parece que tem mais encanto do que se apresentando no alto do céu, completamente nua, despudorada. Também u'a mulher sem roupa, se esgueirando matreira por detrás de uma folhagem, chama a atenção dos nossos olhos mais do que se aparecesse sem mistérios, no meio da rua, cruazinha. É a mesma coisa. Lua escondida por detrás de mato é como mulher, idem, idem.
Outra beleza de lua escondida é a renda que ela forma pelo chão. A areia parece uma toalha estendida, toda rendada, feita de linha branca, de linha que desce em fios, das folhas das árvores, das palhas do coqueiro lá de frente.
Ai se não fosse essa lua! Tem razão em dizer isso o velho Drummond. Se não fosse essa lua, como é que os seresteiros de nossa cidade se iam arranjar, para sair de noite pelas janelas afora, entoando loas às donzelas e à lua, que é também donzela, embora nua?
E os namorados, que conversas teriam, sem uma lua assim, numa noite assim? E os poetas, os bissextos e os de todos os dias, os novos e os do parnaso, sempre contemporâneos?
Ah, se não fosse essa lua! Sintamos e gozemos este luar, mesmo sem casa de chá e sem agosto.
(Fonte: Blog Luzes da Cidade - Julho de 2006)

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