quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

DO CAJU E SEUS DONS

DO CAJU E SEUS DONS
Nesta vida, quando não se é amante, é-se amigo, esta forma mínima de dar-se a outrem. E neste novembro, tendo-se amante e tendo-se amiga convém mandar a uma ou a outra uma cesta de cajus.
Lembrei-me de dizer isto hoje, por causa da cesta que acaba de sair daqui de casa, a caminho da casa da amiga que todos os novembros saúdo com uma cesta de cajus. É a melhor forma que tenho para louvar-Ihe a beleza que me ungiu o ano inteiro. E este ungir é verbo que uso só quando me refiro a ela. Quanto à amante ...
           Quanto à amante, recomendo igualmente a cesta de cajus a quem tenha uma (amante). E quase todo homem tem a sua. Excetuam-se os noivos e os neocomungantes, e aqui me ponho entre os primeiros, com humildade.
           Mas os cajus estão belos. Belos e dourados. Dourados e tendenciosos. Tendentes à embriaguez, à volupia, e também ao repouso dos nervos do coracão.
A tudo se presta o caju, desde que esse tudo saiba se impor. Dele. a amiga faz a cajuada; a amante, o caju-amigo. Dois destinos. Duas formas de iludir a morte. Pendente do galho, amarelo ou vermelho, costuma ser injetado de aguardente. O caju está de vez e ali fica ainda quatro, cinco dias, violado, seduzido pelo álcool. Colhido afinal, ja nem é caju nem aguardente. Na superfície amarela (ou vermelha) cheira com agudeza a orilha de rio. Por dentro, trava arrogante e dulçorosamente. E a medida que vai sendo chupado nos vai humilhando, até que nos deixa reduzidos a como se fôssemos um colibri e cantássemos fogo em vez de som, na orla de um bosque-mulher.
Mas o caju aleitado no galho é arte sábia em que dificilmente se acerta a dose exata para o fim exato, esse de colibri. O simples é mandá-lo à compota, que pode engordar, à cajuada, que tonifica os nervos e ajuda a enfrentar melhor os negócios e as pragas dos inimigos e dos maus parentes. Assim procederá com ele a amiga e a amante. Aquela, recebida a cesta, consumirá lentamente os cajus, a sós, debruçada na janela, como faz a do meu caso. A amante deixará a cesta sob o sereno de duas noites e, na terceira, mandará um recado a quem a endereçou. E nessa terceira noite farão dos doces frutos o que bem Ihes aprouver e mais Ihes recomendar o gênio e as manhãs.
(BW)

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