sábado, 25 de dezembro de 2010

CINEMA É ILUSÃO - Vicente de Serejo

CINEMA É ILUSÃO
               Uma vez, uma colega de jornal, entre o riso quase irônico e a  curiosidade invencível, perguntou a mim: você nao acha que Greta Garbo está muito velha para ser sua musa? Na epoca, e vivíamos os anos setenta, Garbo ainda estava viva. OIhei para minha companheira de redaçao e respondi como se titulasse uma história de amor: as musas são eternas. É o que repito hoje, bem trinta anos depois. Agora ela não esta mais viva. Mas, mesmo assim, ninguem nunca vai apagar do seu rosto aquele olhar mormaço.
               Esse toque de lembrança, há tempos guardado entre os guardados da alma, só tem importancia no plano das coisas superiores. Faz parte do mundo metafísico, como todas as coisas nascidas da ordem mágica da transcendência. Como a visita, numa noite antiga, que Marlene Dietrich fez ao poeta Berilo Wanderley. Aquela mulher bonita como a noite. Pernas longas e brancas, fugindo, passo a passo, pelo corte do vestido. E aqueles seus oIhos que segundo o poeta tinham a sensua1idade de uma onça no cio.
             Devo reconhecer, afinal a falta de humi1dade é pecado sem perdão, que Berilo sempre teve muita intimidade com as musas do cinema. Já no meu caso, menino do interior que fui, nunca passou de um exercício de comtemplação. Enquanto Berilo vivia com elas as grandes histórias de amor, a mim restava olhar de longe. E com tanta cerimônia - eu que nunca tive chance de receber a visita de Greta Garbo - que todos os meus encontros eram sempre casuais. Viviam distantes. Inalcançáveis, mágicas e sensuais.
               Marlene, apaixonada como era por Berilo que importa que seja coisa da imaginação! eu acredito. Mas, Greta Garbo, e o seu jeito de solidão, seria impossível. Não para exibi-la ao meu lado, - e seria cruel contra os  desafetos! - mas para tê-la comigo, de maos dadas, em longos passeios bem perto do mar. E quando me perguntassem quem era aquela mulher tão bonita e tão misteriosa, eu diria apenas que era uma velha amiga. E que viera de longe, só para me contar histórias de amor, mistério e solidão.
                Daí esse encantamento todas as vezes que leio Berilo Wanderley contando como foi a visita de Marlene Dietrich numa calma madrugada de Natal. Ele servindo uísque em copo pequeno e sem gelo, como ela gostava. Marlene tão bonita e tão íntima, e tão humana nos seus desejos de mulher. Marlene deitada no sofá da sala da casa do poeta. Agarrando firme o copo com as suas unhas que pareciam garras; com uma perna jogada pro alto e outra no chão. Marlene viva, inteira, com seu corpo chamas.
            Hoje, anos e anos depois, minha dúvida é a mesma de quando li a primeira vez: se estivesse lá, tomando uísque com Berilo, chamaria Maria Emilia ou ficaria em silêncio, solidário ao poeta, na mais bela visão que um amante de cinema pode ter na vida? Nao sei. Talvez chamasse. Talvez não. Mas, se chamasse, cuidaria de dizer que nao se deixasse impressionar com Marlene Dietrich em chamas. E daria a Maria Emilia a mesma e bela explicação que um dia Valério Andrade ensinou a mim: cinema e ilusão .
 (Vicente de Serejo) 

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